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As Grandes Galas

A realização de corridas de toiros, designadamente as denominadas "de Gala à Antiga Portuguesa" inseriu-se, com frequência, nos programas de comemorações de datas festivas da nossa história, ou foram integradas nos programas sociais das visitas de chefes de Estado a Portugal. Em várias ocasiões, os coches do Museu Nacional rolaram na arena de Lisboa, participando nas reconstituições históricas das célebres corridas reais do século XVIII, recordando o fausto da corte de D. João V.

O reinado de D. Carlos (1889-1908), durante o qual ocorreu a inauguração da Praça de Toiros do Campo Pequeno, foi marcado por uma intensa actividade diplomática, materializada entre outras realizações, por visitas oficiais do monarca português a países europeus e a consequente retribuição dessas visitas, por parte de reis e Presidente da República.

A tradição de obsequiar com uma corrida de toiros, "de Gala à Antiga Portuguesa" os Chefes de Estado que visitam o nosso país vem, infelizmente, perdendo peso nos respectivos programas oficiais, sobretudo após o golpe militar de 25 de Abril de 1974.

Ao comemorar-se o quarto centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia, o Real Clube Tauromáquico Português organizou uma faustosa Corrida de Gala no Campo Pequeno, que constitui uma das manifestações de júbilo popular com que os portugueses recordaram o feito de Vasco da Gama.

Deslumbrante, segundo testemunhos da época, foi a corrida realizada a 6 de Abril de 1903, por ocasião da visita de Eduardo VII de Inglaterra. Em praça estiveram os cavaleiros José Bento de Araújo, Fernando de Oliveira, Manuel Casimiro, Joaquim Alves, Simões Serra e Eduardo Macedo, bem como os bandarilheiros Jorge Cadete, José Martins, Telles Branco, Manuel dos Santos e Tomás da Rocha e, ainda, dois grupos de forcados.

Em fausto e brilho igualaram-se as corridas realizadas a 11 de Dezembro de 1903, de homenagem a Afonso XIII, de Espanha, e as de 26 de Maio e de 28 de Outubro de 1905, em honra do Imperador Guilherme II da Alemanha e do presidente Loubet, de França, respectivamente.

Apenas 12 dias tardaram os aficionados lisboetas em comemorar taurinamente a implantação da República, tendo para o efeito organizado, a 17 de Outubro de 1910, uma corrida em que participaram os cavaleiros Eduardo Macedo e Morgado de Covas e o matador espanhol Agustín Garcia "Malla". Seis dias depois, realizava-se no mesmo cenário uma corrida em benefício dos familiares das vítimas dos acontecimentos do dia 5 de Outubro. Nela participaram os cavaleiros João Marcelino, José Bento de Araújo, Manuel Casimiro, Adelino Raposo, Eduardo Macedo, José Casimiro e Morgado de Covas, que lidaram um curro de Emílio Infante da Câmara.

Sidónio Pais, um dos Presidentes da República que maiores multidões arrastou, teve também uma corrida em sua homenagem, a 12 de Maio de 1918, na qual, com toiros de João Coimbra, se apresentaram os cavaleiros Morgado de Covas, Adolfo Machado, Rufino da Costa, Francisco Bento e Ricardo Teixeira. Cerca de dois anos depois, a 16 de Maio de 1920, no mesmo dia (e à mesma hora?) que José Gomez Ortega "Gallito" morria em Talavera de la Reina, nos cornos de "Bailador", realizava-se no Campo Pequeno uma corrida de homenagem do Presidente da República, António José de Almeida.

A última das grandes corridas em honra de um Chefe de Estado terá sido a realizada a 15 de Maio de 1973, quando o Presidente da República Federativa do Brasil, Emílio Médici, visitou oficialmente o nosso país. Recordemos o cartaz: cavaleiros Manuel Conde, José Mestre Baptista, Alfredo Conde, Luís Miguel da Veiga, Fernando Andrade Salgueiro e Frederico Cunha, os forcados de Santarém e de Montemor e toiros de Emílio Infante da Câmara.

Várias entidades, sobretudo associações de beneficência, organizaram aqui espectáculos que constituíram extraordinários lances de filantropia e generosidade humana, que chegaram à dádiva mais sublime ? a da vida ? como noutro passo se relatará. São marcos dessa generosidade as corridas organizadas pela Assistência Nacional aos Tuberculosos, pela Liga dos Antigos Combatentes e pela Liga Portuguesa Contra o Cancro, a primeira no princípio do século XX, a segunda e a terceira nos anos sessenta e setenta. Todas elas convergiam numa característica comum: a dádiva desinteressada de artistas e ganaderos.

Na segunda metade do século destacam-se ainda as corridas organizadas pela Casa da Imprensa, em que alternavam as máximas figuras do momento, em Portugal, Espanha e México, as da Casa do Pessoal da RTP e a corrida da Rádio, da responsabilidade do Programa "Sol e Toiros" da RDP. Além de inesquecíveis êxitos sob o ponto de vista social, algumas destas corridas proporcionaram resultados cuja ressonância ultrapassou gerações. Quem poderá esquecer as grandes faenas de João Branco Núncio, as competições entre os cavaleiros José Mestre Baptista, Luís Miguel da Veiga, José João Zoio e os rojoneadores espanhóis Álvaro Domecq (filho) e Manuel Vidrié, ou a explosão de entusiasmo provocada pelo cavaleiro João Moura, entre 1976 e 1986? E as faenas de matadores como Diamantino Vizeu, Manuel dos Santos, Francisco Mendes, José Júlio e Amadeu dos Anjos, ou dos espanhóis António Chenel "Antoñete", Juan Garcia "Mondeño", Paco Camino, Diego Puerta ou Pedro Moya "El Niño de la Capea"? (este na Corrida da Imprensa de 1983). E tantos e tantos momentos protagonizados por forcados, que terão salvo da monotonia e do fracasso outras tantas corridas?, como foi o caso do grupo dos Amadores de Montemos, capitaneados por Joaquim José Capoulas, na corrida da Liga Contra o Cancro, em 1965, ao pegarem de cernelha cinco toiros de Manuel e Mário Vinhas!

Registe-se ainda outra curiosidade: em 20 de Abril de 1919, sob a gerência do empresário Segurado e a exemplo do que por vezes também se praticava em Espanha, foi a arena da monumental lisboeta dividida em duas, lidando-se toiros, simultaneamente, em ambas metades.